top of page

     Terça-feira, 13 de novembro de 1990, algum bairro suburbano de Las Vegas (Nevada)

 

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

          Estou chegando da escola e preciso te contar um segredo. Não conte a Joana, não sei o que ela seria capaz de fazer.

          Confio em você, diário, você me ouviu no pior dia da minha vida. Está aqui gravada toda cena que até hoje, sem falhar um dia, não sai de minha cabeça.

      Papai me procurou hoje depois da escola. Estava feio, barbudo, com olheiras, não parecia ser meu pai. Mandou-me entrar num carro. Carro lindo, parecia ser modelo novo, todo preto, até as vidraças. Sem medo, deixei-me levar.

          Enquanto papai dirigia, lançava contínuos olhares aos retrovisores. Parecia estar fugindo, ou se escondendo de alguém. Tocou em minha mão que estava parada sobre o banco. Ele estava frio. Disse-me o quanto cresci e estava bonito. Eu não conseguia expressar uma sequer palavra, nem mover minha face, fiquei sério. Papai percebeu que eu não estava para brincadeiras, ele sabia que me devia muitas explicações.

        Não esclareceu nada sobre aquela fatídica sexta-feira 13, apenas disse que minha mãe mereceu tudo aquilo, cada coisa que sofreu. O asfalto ia rolando e ele imaginando como iria deixar claro em minha mente tudo aquilo que ele queria me transmitir apenas pelo olhar. De certa forma eu entendia aonde ele queria chegar. O medo que eu senti naquele 13 de novembro de 1987 voltava como lapsos em minha mente.

          Papai me falou que mamãe traíra a confiança que eu pensava que ela me passava. Ela havia me abandonado, ela morreu. Eu acreditava em meu pai, sempre acreditei, eu o admirava, ele era meu herói. Mas então, porque ele fugiu? Por que minha mãe me abandonou? Em quem acreditar? Acreditar? Não sei.

       Confusão de medo com todas as paranoias que eu havia inventado nesses três anos longe de meus pais, e agora mais as informações do diálogo que tive com papai.

       Ele me deixou apenas cinco quadras antes da casa de Joana. Só me pediu para pensar, pensar se mulher merecia viver, pois elas iludem com papo de amor, fidelidade, conforto, e no final abandonam, sem o porquê da forma mais fria. Me deu tchau.

          Agora fazem exatamente cinco horas que cheguei em casa. Joana dormiu. Eu não sei se sou capaz de dormir hoje. Hoje é dia 13 de novembro de 1990. Faz três anos que minha mãe se foi, meu pai desaparecido e o principal suspeito da morte de minha mãe me procurou para descarregar tudo aquilo em minha cabeça. Dor de cabeça é pouco para o que estou sentindo.

bottom of page